" ... e desde então sou porque tu és, e desde então, és, sou e somos, e por amor serei, serás, seremos ... "

sexta-feira, 4 de julho de 2008

"Cativar"?

- Anda brincar comigo _ pediu-lhe o principezinho. _ Estou tão triste...
- Não posso ir brincar contigo _ disse a raposa. _ Ainda ninguém me cativou...
- Ah! Então desculpa! _ disse o principezinho.

Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:

- "Cativar" quer dizer o quê?
- É uma coisa de que toda a gente se esquecer _ disse a raposa. _ Quer dizer criar laços...
- "Criar laços"?
- Sim, laços _ disse a raposa. _ Ora vê; por enquanto tu não és para mim senão um rapazinho perfeitamente igual a cem mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto eu não sou para ti senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E eu também passo a ser única no mundo para ti... Tenho uma vida terrivelmente monótona _ disse ela. _ Caço galinhas e os homens caçam-me a mim. As galinhas são todas parecidas umas com as outras e os homens são todos parecidos uns com os outros. Por isso, às vezes aborreço-me muito. Mas se tu me cativares, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, repara! Estás a ver aqueles campos de trigo ali adiante? Eu não gosto de pão e, por isso, o trigo não me serve de nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do outro. Então, quando tu me cativares, vai ser maravilhoso! O trigo é dourado e vai fazer com que me lembre de ti. E hei-de gostar do som do vento a bater no trigo...

A raposa calou-se e ficou a olhar para o principezinho durante muito tempo..

- Por favor... Cativa-me! _ acabou finalmente por pedir.
- Eu bem gostava _ respondeu o principezinho. _ Mas, não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e muitas coisas para compreender.
- Só compreendemos o que cativamos _ disse a raposa. _ Os homens desistiram de ter tempo para compreender o que quer que seja. Compram as coisas já prontas nas lojas. Contudo, não há nenhuma loja onde possa comprar-se amizade e, portanto, os homens deixaram de ter amigos. Se queres ter amigos, cativa-me...

- E tenho que fazer o quê? _ perguntou o principezinho.



- Tens que ter muita paciência _ respondeu a raposa. _ Primeiro, sentas-te longe de mim... Assim... Na relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. As palavras são uma fonte de mal-entendidos. Mas podes sentar-te cada dia um bocadinho mais perto...


E o principezinho cativou a raposa. Mas quando se aproximou a hora da despedida...
- Ai! _ suspirou a raposa. _ Ai que me vou pôr a chorar...
- A culpa é tua! _ disse o principezinho. _ Eu não te desejava mal nenhum, mas pediste para eu te cativar...
- Pois pedi _ disse a raposa.
- Mas gora vais pôr-te a chorar! _ disse o principezinho.
- Pois vou _ disse a raposa.
- Então não ganhaste nada com isso!


- Ganhei, sim, senhor! _ disse a raposa. _ Por causa da cor dos campos de trigo.

(...)


Depois voltou para o pé da raposa e despediu-se:
- Adeus...
- Adeus _ despediu-se a raposa. _ E agora vou contar-te o tal segredo. É um segredo muito simples:
Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.

- O essencial é invisível para os olhos _ repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.

- Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que a tornou a tua rosa tão importante.

- Foi o tempo que perdi com a minha rosa... _ repetiu o principezinho para nunca mais se esquecer.

- Os homens já não se lembram desta verdade _ disse a raposa. _ Mas tu não deves esquecê-la. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa...